03 de Dezembro – Dia Mundial de Luta contra os Agrotóxicos
O dia 03 de Dezembro marca uma reflexão a nível mundial sobre o uso de agrotóxicos e suas implicações para a saúde humana, de outros animais e do meio ambiente como um todo. A escolha dessa data se deu devido uma tragédia ocorrida na Índia no ano de 1984. O fato ocorreu na cidade de Bhopal a partir de um vazamento e subsequente explosão de um tanque subterrâneo de uma fábrica de agrotóxicos, culminando na liberação de gases tóxicos. Na ocasião, em torno de 8.000 pessoas morreram e 150.000 foram intoxicadas. Sendo assim, a data foi marcada como um tributo a essas vítimas e, pode se estender a tantas outras vítimas que se intoxicam diariamente por essas substâncias, sendo de forma direta durante a aplicação dos produtos, seja indireta pelo consumo de alimentos e água contaminados.
Fonte: Pixabay imagens gratuitas.
O termo agrotóxico é utilizado para representar todos os tipos de produtos químicos utilizados na agricultura com justificativa de melhorar os cultivares e aumentar a produção agrícola. Durante muito tempo, e ainda comum na atualidade, essas substâncias foram denominadas de defensivos agrícolas, induzindo uma compreensão equivocada de que seriam substâncias potencialmente protetoras. No entanto, sabe-se que seus efeitos seguem um sentido oposto, sendo prejudiciais e extremamente tóxicos para muitos organismos, incluindo seres humanos.
Fonte: Elaborado no programa Canva.
A história do surgimento dessas substâncias químicas se deu, como tantas outras invenções, durante as grandes guerras mundiais. Considera-se que o primeiro agrotóxico tenha surgido durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), sendo amplamente diversificados, aprimorados e utilizados como armas químicas na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Mediante os fatos, concluiu-se que, se podiam matar pessoas, também serviram para matar “pragas” nas lavouras incluindo, principalmente, insetos e ervas daninhas. Então, em meados do século XIX, esses produtos foram sendo reformulados e seu uso na agricultura aumenta de forma assustadora em muitos países.
O Brasil é um dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos, com números alarmantes em muitos contextos. Entre os anos de 2012 e 2014, a média anual de consumo alcançou 877.782 toneladas. Estão liberados para uso no país, 502 ingredientes ativos de agrotóxicos, muitos destes já foram banidos ou não são autorizados para uso na União Européia. Além disso, os limites permitidos na água para consumo humano podem chegar a 5.000 vezes maiores do que na União Europeia se considerarmos o herbicida glifosato, por exemplo. Dessa forma, pode-se dizer que estamos “bebendo veneno” de forma legalizada.
Fonte: Elaborado no programa Canva.
As formas de aplicação dos agrotóxicos podem se dar por dispositivos pulverizadores pequenos, onde o trabalhador, ou maquinário específico, borrifam essas substâncias em níveis próximos às plantações, ou, de forma ainda mais assustadora, através de nuvens de veneno, com pulverização aérea, que atinge os cultivares alvo e tudo mais que estiver nos arredores, afetando pessoas que residem próximas e outros organismos não alvo, como plantas e animais.
Fonte: Elaborado no programa Canva.
Fonte: Elaborado no programa Canva.
As classes de agrotóxicos mais utilizadas no Brasil são herbicidas, fungicidas e inseticidas, onde o ingrediente ativo glifosato (presente em herbicidas) é disparado o produto mais disseminado no país. Em torno de 50% do consumo desses agrotóxicos se concentram em plantações de soja, seguido de cana de açúcar e milho.
Fonte: Retirado de Bombardi (2019).
O aumento exponencial no consumo de agrotóxicos está fortemente associado com a expansão das áreas cultivadas/commodities. No entanto, sabe-se que a soja não irá matar a fome do mundo, pelo contrário, irá alimentar animais que, por sua vez, irão alimentar seres humanos já supernutridos e com condições financeiras de adquirir estes “produtos”. Em contrapartida, a produção de alimentos que compõem a cesta básica dos brasileiros, como arroz, feijão, trigo e mandioca, se mantém muito abaixo destas monoculturas dominantes.
Fonte: Retirado de Bombardi (2019).
Em seres humanos, o uso indiscriminado de agrotóxicos está comprovadamente associado com muitos agravos à saúde, dentre os quais podemos destacar:
- Doenças metabólicas (desregulação endócrina).
- Teratogenicidade.
- Toxicidade reprodutiva.
- Toxicidade pulmonar.
- Toxicidade renal.
- Toxicidade hepática.
- Neurotoxicidade (depressão, desenvolvimento de autismo, Doença de Parkinson, Alzheimer, Esclerose Lateral Amiotrófica, entre outros).
- Carcinogênese (linfoma não Hodgkin, leucemia, neuroblastoma, glioblastoma dentre muito outros).
Fonte: Elaborado no programa Canva.
Além disso, muitos animais não humanos também são fortemente afetados, com destaque para os insetos polinizadores, dos quais as abelhas representam quase 80% deste montante. Esses organismos podem ser atingidos por agrotóxicos de muitas maneiras, por pulverização direta, gotículas de poeira, pólen contaminado etc. As alterações podem ser funcionais, que inviabilizam seu comportamento habitual, afetando o voo, imunidade, função reprodutora, entre outros. E, com certeza, são produtos letais em grande parte dos casos, o que levou a uma mortandade em massa de populações de abelhas em todo o mundo recentemente.
Fonte: Elaborado no programa Canva.
Em termos de pesquisa científica, o Laboratório de Bioquímica e Sinalização Celular – LaBioSignal, vem estudando nos últimos anos os impactos de agrotóxicos em modelos pré-clínicos utilizando roedores, peixes e culturas de células humanas. Os estudos de nosso grupo demonstraram que a exposição a agrotóxicos pode levar a excitotoxicidade glutamatérgica, estresse oxidativo, danos hepáticos, desregulação endócrina, danos renais, disbiose intestinal, alterações testiculares e ovarianas, risco para o desenvolvimento de depressão e alterações no neurodesenvolvimento.
Frente todas estas informações, o que podemos fazer?
Muitas vezes nos sentimos impotentes, sendo que, mesmo não trabalhando diretamente na agricultura, todos estamos passivamente expostos aos agrotóxicos, que podem estar presentes na água e alimentos contaminados. A contaminação por agrotóxicos é um problema mundial e que são necessárias ações para reduzir e regular o uso desses produtos em escala global. Nesse sentido, é imperativo uma melhor regulamentação e controle no registro, na comercialização e no uso de agrotóxicos através de políticas e legislações que estimulem também o consumo responsável de alimentos, especialmente em prol da transição para um futuro livre de agrotóxicos ou pelo menos com o mínimo possível desses produtos. O Brasil precisa urgentemente reavaliar o registro dos produtos comercializados no país, os limites permitidos na água e nos alimentos, bem como banir os produtos já banidos em outros países devidos aos riscos comprovados a saúde.
Destaca-se também a relevância da disseminação do conhecimento sobre todos os aspectos socioeconômicos e ambientais associados à política de agrotóxicos. É importante estimular o consumo consciente de alimentos, buscando por aqueles produzidos de forma agroecológica e reduzindo o consumo de proteína animal.
Vamos todos levar a informação adiante, deixando claro que agrotóxico não é defensivo, agrotóxico é veneno.
Referências
BOMBARDI, Larissa Mies. A Geography of Agrotoxins use in Brazil and its Relations to the European Union. são Paulo: FFLCH – USP, 2019.
CARMO, Donizetti Aurélio. Dia Internacional de Luta Contra os Agrotóxicos: 1.408 produtos liberados em três anos. Fundação verde Herbert Daniel. 2021. Disponível em: https://fundacaoverde.org.br/dia-internacional-de-luta-contra-os-agrotoxicos-1-408-produtos-liberados-em-tres-anos/. Acesso em: 02 dez 2022.
CARVALHO, Miguel Mundstock; Xavier de; NODARI, Eunice Sueli; NODARI, Rubens Onofre. “Defensivos” ou “agrotóxicos”? História do uso e da percepção dos agrotóxicos no estado de Santa Catarina, Brasil, 1950-2002. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.24, n.1, jan.-mar. 2017, p.75-91.
RIBEIRO, Dayane Santos; PEREIRA, Tatiana da Silva. O agrotóxico nosso de cada dia. Vittalle, v. 28, p. 14-26, 2016.
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